sábado, 26 de setembro de 2009

.
Depois dos “Recuerdos Argentinos”, sobre o que ainda haveria muito a contar, vamos recordar o Peru, “voltinha” que demos há já sete anos, em 2002. Assim, alguns acontecimentos descritos têm que ser colocados na perspectiva daquela data.
Alguém que tenha lido isto na ocasião... talvez já tenha esquecido, nem sequer lá ido ao Peru, e se voltar a ler, quem sabe desta vez se entusiasma e vai!
.

Ó Incas! Ó Incas!...

.
Desde a meninice eu ouvia na família esta exclamação:
“Ó Incas, ó Incas, ó sol da azia!”
Frase que nada significava, além dum gracejo! Também ninguém entendia a graça, nem me recordo já a que propósito se dizia, mas a verdade é que o estribilho foi ficando no ouvido.
Há talvez mais de meio século quando li as primeiras coisas sobre os tais Incas. Livro cheio de lendas, de mistérios, de incógnitas, de incompreensíveis mensagens de alienígenas, astronautas da pré-história, de elogios à sua arte, ao culto do Sol, umas construções silenciosas perdidas no alto das montanhas e, na altura, tudo isto se amalgamava num sonho dificil de realizar: ir lá e ver, sentir, entender aquela gente.
Não sei se foi influência desta graciosa exclamação, a verdade é que sempre me atraiu muito mais ir conhecer os Incas do que Maias ou Astecas, mais ricos.
Acabou chegando o dia, e lá fomos.
Comecemos pela etimologia da palavra Peru: desconhecida!
A divisão administrativa do Peru é feita por Departamentos que seriam os Estados, no Brasil. São vinte e cinco, alguns com uma área de somente 4 mil km2 e 160.000 habitantes.
Pela primeira vez na sua história o Peru votou há dias para Governos Regionais! Já tinha uma tremendamente pesada estrutura administrativa e foi sobrecarregá-la. Acontece que nesta hipotética descentralização, o teórico objetivo primário, quem nomeia os secretários desses governos regionais não é o governador eleito mas sim o executivo central! Como se está mesmo a ver, não vai funcionar, mas criar mais encargos que, para variar, caem sempre em cima do Zé! Desta vez do Zé Inca.
O Peru é rico em minérios – ouro, prata, cobre, ferro, etc. – e terá boas reservas de petróleo. Aqui, também para variar, a maioria do capital das empresas mineradoras não é peruano, mas norte americano. O trivial!
A área agricultável é muito limitada, e quase toda em altitude. Não pode por isso almejar a grandes exportações neste setor. A larga faixa costeira é composta por regiões desertas e o verde só aparece depois da chamada cordilheira oriental, e além disso a região pertencente à bacia amazônica ocupa cerca de 30% de todo o território nacional. Produz um pouco de vinho que não cheguei sequer a provar porque o preço era absurdo, normalmente o dobro de um conhecido vinho chileno ou argentino! Claro que eles podem pedir pelo vinho o preço que entenderem, mas quem vai comprá-lo?
Por todos estas e mais outras, segundo números oficiais, imigram todos os anos do país entre 200 a 250 mil cidadãos! Indício triste, também. Sonham com os USA, mas vão sobretudo para a Argentina, que está agora numa tremenda duma fossa e para o Chile que já não sabe o que fazer com essa gente.
O presidente, na época desta visita, Alejandro Toledo, defensor do estilo caudilho-caciquista, já esgotado e indesejado, intitula-se o Pachacutec, um dos iniciadores do chamado (e mal chamado) Império Inca, o restaurador da nação, etc. que viveu no séc. XV, mas o povo, aquela gente simples que ouvimos na rua, não acredita nele. Aguenta.
Aguentou o japina, Fujimori, e ainda hoje uma parte da população o acolheria de braços abertos. Afinal foi ele que acabou com os grupos guerrilheiros chamados terroristas, deu um razoável impulso à economia do país, privatizando, e nos entretantos aproveitou para resolver também a vida privada dele. O trivial dos caudilhos, e não só.
Mas vamos viajar pelo Peru. Este pequeno intróito serviu para satisfazer a eventual curiosidade de alguns, já que comecei por satisfazer (?) a minha.
Tanta era a vontade de ir para o interior sentir e respirar a cultura inca que me atrevi de entrada a dizer que nem estaria interessado em visitar Lima! Ignorância, claro.
A agência de viagens insistiu e começámos mesmo por Lima, mega capital, criada pelos espanhóis assim chegados a esta terra, porque ficava perto dum local seguro para fundear as suas embarcações.
Mega capital! Dos cerca de 25 milhões de habitantes no Peru mais de um terço vive na capital! São números preocupantes, porque pressupõem pobreza. Não que seja ostensiva, nem muita se vê por onde os turistas andam, mas é impossível que assim não seja. Mas não parece viável que um país, não rico, consiga suportar um terço da sua população a viver na capital.
Lima. Imaginem só uma coisa que eu desconhecia totalmente: em Lima não chove. Nunca. Nunca, mesmo. As ruas não têm nem valetas nem sarjetas - bueiros! É verdade. A famosa corrente fria de Humboldt, que vem dos friozinhos da Antártida e sobe a costa da América do Sul não deixa ali cair uma gota de água, e daí as imensas regiões desertas que começam ao norte de Santiago do Chile e vão até ao Equador!

A grande catedral

Dizia-nos uma das guias de turismo que nos acompanhou: “Se um dia cair uma chuvinha só, nós morremos todos afogados, até porque nem sabemos o que isso é!”
Lima está a 12º de Latitude Sul que no Brasil fica entre Salvador e Aracaju, mas a temperatura é uma delícia, com uma média anual de 21°. Como? A tal corrente! Máxima, em Novembro, 21, mínima, à noite, 15. Querem melhor?
É uma cidade plana, simpática, tem jardins bonitos e bonitas flores, o que é raro ver nas cidades brasileiras, que são cuidadosamente regados.
Num dos bairros hoje de classe alta, San Isidro, encontra-se o que sobrou de uma antiga fazenda onde os espanhóis plantaram um grande olival. Essas oliveiras, bonitas, algumas com perto de quinhentos anos são um dos orgulhos dos limeños, e decoram muito bem o bairro.
Incluído no “pacote” da nossa viagem estavam alguns tours e visitas a igrejas e museus.
A Catedral de Lima... é uma coisa! Na Plaza de Armas, que terá sido traçada pela espada de Pizarro, com jardins com muita flor, a construção da Catedral foi iniciada em 1535. Começou pequena, cresceu, um terremoto derrubou, constrói de novo, maior, mais imponente, outro terremoto reduziu a escombros e assim foi até à imponência de hoje. Interior riquissimo, muita talha dourada, muito ouro, muita prata, muita pintura, a grande maioria de artistas peruanos sob influencia do barroco ibérico. Haja católico para encher aquela igreja! E tem muito mais igrejas. Muito mais, ou não fossem os espanhóis super torquemados quando invadiram as Américas. Destruíram os recintos de culto tradicionais, fizeram inúmeros atos de extirpação de idolatria, e impuseram o cristianismo com incrível violência. (Não foram só eles aliás, só que castelhano sem um a boa mão cheia de sangue não se contenta, enquanto os outros iberos... só de pensar em sangue já caem fora!). Sigamos.

Interior da Igreja de São Francisco

Iglesia y convento de San Francisco el Grande, o meu xará, claro, formam o mais notável e melhor conservado dos monumentos de Lima. Descrever? Não há como. Tem que se ir lá ver, bem como tudo o mais que nós por falta de tempo (e meio$) não pudemos fazer. Há que ver, por dentro, o Palácio do Governo, as casonas coloniales a que nós chamaríamos mansões ou casas apalaçadas, como a Casa de Aliaga, de Pilatos, dos los Marqueses de La Riva, de Torre Tagle, e tantas outras, muitas, reminiscências de um passado de grande fausto, as igrejas de San Pedro, La Merced, Santo Domingo, San Agustin e... por aí vai. Como tem que ver!

Antigo refeitório dos frades franciscanos

E os museus! Só para visitar com olhos de ver e com um bom guia – aliás todos os guias que tivémos eram excelentes – o Museu Nacional de Arqueologia, Antropologia e Historia del Peru são necessárias várias horas e repetir a visita várias vezes. Há que apreciar os magníficos têxteis pré colombianos que são de um bom gosto espantoso e a interminável coleção de cerâmicas, algumas com impressionantes detalhes e singular beleza. E tem os metais e os monumentos de pedras e ...
O Museu Larco, numa dessas casonas construída sobre uma antiga pirâmide precolombiana, propriedade da família Larco que juntou e deixou o museu com uma preciosa coleção de “Ouro e Prata do Antigo Peru” além de muitas outras peças, também de cerâmica, têxtil, etc.

Cultura Mochica. 1 - 800 D.C. Epoca Auge
Orejera de oro con incrustaciones de turquesa, lapislázuli,
concha spondylus y nácar representando a guerrero antropomorfo

Mochica. 1 - 800 D.C. Epoca Auge
Fragmento de textil decorado com desenhos antropomorficos


São precisos vários dias para visitar Lima. Tem muito que ver, e apreciar, e ninguém vai morrer de fome porque também se come muito bem!

Para não alongar muito, deixemos Lima e amanhã vamos para Cusco!





Nenhum comentário:

Postar um comentário