quarta-feira, 28 de dezembro de 2011





DINASTIA IMPERIAL

"OS KINGS KONGS"



Quem haveria de pensar continuarmos, nos dias de hoje, a atravessar uma era de monarquias absolutas, como na Arábia Saudita, Omã, Brunei, Catar e até na esquecida, piquinininha e ignorada Suazilândia, onde sua magestade tem umas trinta mulheres! Há outras, aparentemente menos absolutistas, mas...
São eternas (?) monarquias, piores do que a de Luis XIV, o glorioso, vaidoso e soberbo, mas nenhuma se comparando à Síria, menos ainda à poderosa dinastia dos gorilas! Gorilas, isso mesmo.
Começou em Hollywood em 1933 o enorme “King Kong”, possante e bondoso, logo a seguir veio “O Filho do King Kong”, e outros kings goriláceos em mais uma porção de versões, e tantas foram que inspiraram a democratíssima Coreia do Norte onde contiuam a reinar, em absoluto absolutismo, os “kims... kongs”!
Começou pelo Kim Il-sung, o primeiro King Kong da disnastia asiática, e Grande Líder; seguiu-se o filhinho King Kong II que lhe chamavam entre outras coisas Kim Jong-il, o modesto, humilíssimo Estimado Líder Supremo da República Popular Democrática da Coreia do Norte, Presidente da Comissão de Defesa Nacional da Coreia do Norte e Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores da Coreia - cargos máximos em âmbito militar e político da nação coreana, havendo só um pequeno equívoco semântico: esqueceram-se de trocar as palavras “república democrática” por “monarquia absolutíssma”, mas isso é detalhe de somenos importância dada a imensa adoração do povo por esta figura que não apareceu nunca em cartazes monumentais, nem em estátuas gigantes, nada disso, modesto como um monge budista ou um frade franciscano!
E agora surge o Kim Jong un, aliás King Kong III, um brilhantissimo general de 29 anos, que se destacou na guerra (que guerra foi mesmo?) e vai ficar sendo amamentado pela titia, irmã do papai – ex monarca – titia poderosa, generala de quatro estrelas e mais o dedicadissimo maridinho desta que é big chefe da polícia daquela “democracia”.
Como o novo generalinho só vai fazer o que mandar a macha da titia, talvez se lembre de querer brincar com alguns brinquedos reservados em exclusivo a reis e imperadores. Por exemplo, pode querer ver como rebenta uma bomba atómica em cima de Israel. Ou no Japão. Não por mal, só brincadeirinha inofensiva, parecida com a que tantos fizeram desde sempre, como por exemplo, os imperadores romanos quando perguntavam aos filhinhos se o gladiador devia morrer ou não.
Todos uns amores de criaturas. E importantes.
Agora veremos como se vai chamar este novo gorilinha. O vovô era o grande léder, papai, estimado líder, e este? Que tal a idéia de minino líder, grotesco líder, ou até mentirinha líder.
Aguardem a nova sensação, verdadeiramente hollywoodesca.
E procurem abrigos atómicos.

* * *

Entretanto no “país do faz de conta”, em que tudo vai maravilhosamente bem, melhor do que bem, hoje, lemos a análise dum conhecido economista, de onde extraímos algumas passagens:
“A economia perdeu força e chega ao fim do ano com crescimento pífio.
O Ibovespa – a Bolsa de Valores – quase cai 20%.
O país vive um verdadeiro manicômio tributário, não apenas pela magnitude de impostos, como por uma enorme complexidade.
O Brasil mesmo com população jovem, apresenta um rombo previdenciário insustentável. Onde está a reforma?
A educação pública continua de péssima qualidade e a presidente resolveu manter o (péssimo) ministro mesmo depois de seguidos tropeços.
O presidente Lula (deveria escrever com letra minúscula!) teve oito anos para lutar por uma reforma política, mas o “mensalão” pareceu um atalho mais atraente.
Tudo se resume à partilha do butim da coisa pública.
O resultado está aí: “nunca antes na história deste país”tivemos tantos escândalos de corrupção em apenas um ano de governo. Este é um governo envolto em escândalos, cuja responsabilidade é, em última instância, da própria presidente que escolhe seus ministros. É questão de tempo até a maioria perceber que esta “faxina ética” é um engodo.”
E termina:
“O governo Dilma, em seu primeiro ano, não soube aproveitar o capital político fruto da popularidade elevada: não cortou os gastos públicos; reduziu os investimentos; ressuscitou fantasmas ideológicos como o protecionismo; não debelou a ameaça inflacionária; e entregou fraco crescimento. Isso além dos infindáveis escândalos de corrupção. Um começo medíocre sendo muito obsequioso.”
Mas o Deus é brasileiro! E não há-de ser nada. O país é imenso, cheio de juventude e recursos, e assim, estes males, endêmicos”, acabam por passar disfarçados.
O tal futuro que...

27/12/2011





quinta-feira, 22 de dezembro de 2011


Naquele tempo Portugal tinha readquirido dignidade e não faltavam heróis. Hoje...
Nesta quadra é reconfortante lembrarmos o povo que já fomos, e pensar que poderemos voltar a sê-lo!



A retomada de Loanda

aos holandêses



Nas cidades e vilas de Minas Gerais, no Brasil, ocultar-se-iam, sem duvida, o contrabandista, o moedeiro falso, o fundidor clandestino, devotados estes miserandos às suas habilidades, ao primitivismo das explorações, negando-se à deficiente fiscalização, sem excepção, porém, sujeitos às oscilações climatéricais, ao acaso do abrigo, à suspeita dos cidadãos. Se existiam, contudo, é porque existia uma sociedade organizada.
Vivia-se, em suma, no Brasil. Vivia-se, em suma, em Angola. Os privilegiados com desafogo. Queixavam-se da ingerência de Madrid a população, os funcionários, os militares, o clero.
Comprovara-o, de resto, D. Francisco Manuel de Mélo no seu Eco Politico, panfleto contra a administração de Castela, sem dó a fustigando pela sucessão de erros cometidos no Ultramar, um dos motivos mais sérios, sem contradição nenhuma, influentes, decisivos, da proclamação da Independência de Portugal. O povo metropolitano não ocultava o seu sobressalto em relação a esse longínquo Ultramar. Inquietava-o o seu isolamento. Mas o mal que o castelhano nos fizera agravara-o espantosamente o holandês. Exprimiam-no: a manha, a arbitrariedade, a filáucia, as manipulações vesgas, o orgulho, as depredações, os assaltos e as perseguições.

LUANDA, LIBERTADA, VOLTA AO PODER PORTUGUÊS

Salvador Correia, largava no instante preciso do Brasil para socorrer a extensa parcela territorial africana do Atlantico. El-Rei mandava-o acudir — proclamou — à destruição do reino de Angola, de que todas as provincias do Brasil sujeitas a Portugal eram tam prejudicadas, que quase parecia impossível sustentarem-se, sendo os moradores do Rio de Janeiro a quem tocava maior dano, e de quem El-Rei fazia a maior estimação; fiando dele as disposiões de tam grande empresa.
Era certo que não equivalia o desembarque em Angola de Salvador Correia a uma declaração de guerra, nem mesmo, vendo bem, a um frívolo corte de relações diplomáticas. Encarava-se até a hipótese de se fortificar, sob o acordo tácito do holandês, o porto de Quicombo, a fim de se comunicar, através da Quisama, com Massangano, construindo-se depois na foz do Cuanza um baluarte. Interessava, no caso, a eficaz protecção (contra um ou outro soba sublevado) dispensada, evidentemente, às vilas do interior, onde os portugueses constituiam fortes agregados de âmbito familiar. Uma possibilidade que surgisse, porém, permitindo retomar Luanda, seria imediatamente aproveitada.

Este era "macho" e não levava desaforo para casa!

Como raciocinaria em tal transe Salvador Correia, inspirado no seu patriotismo e constrangido pela decadência em que se debatia o Brasil, não dispondo qualquer das capitanias de mão-de-obra suficiente, é que monta averiguar. Supomo-lo, porém. Descortinou que o holandês, embaraçado no sertão de Angola pelos portugueses, jamais granjearia os escravos de que necessitava. Só estes escravos, no entender do flamengo, poderiam movimentar os engenhos de açúcar do Brasil. Nada restava, portanto, aos paladinos e arautos da Casa de Orange, a fim de solucionarem o seu problema de produção e venda de açúcar à Europa. Recorreriam, assim, a um combate surdo, sub-reptício, sem levantes, no Ultramar, aos portugueses. Se estes não cedessem, adoptar-se-ia então outro processo. Não nos diz outra cousa o decreto do governo holandês de Janeiro de 1649, autorizando o corso e a campanha declarada, a guerra feroz, aos portugueses. Por conseguinte o interesse que a Holanda tinha em manter a paz com Castela. Ficariamos isolados, segundo o modo de ver de Haia, e não tardaríamos a defrontar um conflito armado em duas frentes: na Europa, com a Espanha, e no Ultramar, então com a Holanda. A esta, isso permitiria também a guerra com a Grã-Bretanha. Os portos do Ultrarnar Português, sem excluir os do Brasil e Angola, já conquistados, serviriam de apoio eficaz e cerrar-se-iam, sendo preciso, como uma torquês. As esquadras inglesas seriam destroçadas no Atlântico.
Não reflectia inutilmente Salvador Correia. Portugal afligia-se, fatigado, em virtude da série de vitoriosas campanhas sustentadas contra os exércitos de Madrid, enquanto o Ultramar se achava, por sua vez praticamente desguamecido dc tropas. Divisara-o o general-almirante no Rio de Jaineiro, onde a população não escondia o seu temor, considerando que para defesa da cidade não havia soldados, nem tão-pouco artilharia. O que Salvador Corrêa obteve, pois, para ocorrer a Angola, foi o minimo possivel, em homens, armamento, munições e navios.
A armada partiu do Rio de Janeiro na segunda quinzena de Maio de 1648 e avistou a costa africana a 12 de Julho. Compunham-na quinze embarcações e transportava 1400 homens entre soldados e tripulação. A nau almirante, porém, naufragou a 1 de Agosto e instantaneamente se submergiu, sem se saber a causa. Foi geral a consternação : tinham-se perdido 360 vidas! Salvador Correia, reagindo e assentindo prontamente na necessidade de acudir a Massangano, reuniu duma hora para outra os chefes da frota. Movia-o a ordem de D. Joao IV, a qual, oficialmente, requeria que a todo o custo se conservasse a paz com a Holanda. Expôs a situação. Valeria a pena tentar o ofensor dos nossos, direitos ? O parecer unânime, apoiando-o, reboou num grito. Afirmava : Ou ganhar Angola, ou ao Céu, desarreigando a heresia que há sete anos semeiam os holanleses nestes lugares de verdadeira cristandade.
A esquadra ergueu ferro de Quicombo no dia 6 de Agosto e no dia 11 fundeava em Luanda, perante o pasmo holandês. A terra o chefe supremo enviou João António Correia e os capitães Álvaro de Novais e Gaspar Robim. Incumbiam-se os três delegados de transmitir ao governador flamengo, da parte de Salvador Correia de Sá, uma comunicação muito importante. Dizia, que havendo-lhe ordenado o seu Fidelisssimo Monarca viesse a esta costa erigir uma fortaleza em Quicombo, ou estabelecer naquele porto uma feitoria, para os portuguese do Certão se comunicarem seguramente com os q. de Portugal ou de outra qualquer parte viessem, sem alterar a pax feita com os Estados Gerais, q. inviolavelmente mandava observar, se havia dirigido a este fim; mas que desembarcando no porto do seu destino, ali soube de sciencia certa, havião aleivosamente violado a mesma pax, rompendo contra a Nação Portugueza, naqueles que havião hostilizado, não sómovendo as armas em seu damno; mas influindo aos Sovas já Vassalos, o espírito de sedição, e rebeldia, convocando-os ao seu partido: acendendo por todos os modos o fogo da discórdia entre as suas e nossas armas: aliando-se com os inimigos do Certão, e concorrendo com eles a atacar-nos, e fulminando a nossa total ruina, e extinção nos Domínios desta Conquista : Que à vista destes infiéis procedimentos, lhe era lícito interpretar o seu Regimento com a resoluão q. fixamente tomava de socorrer os oprimidos Vassalos da Monarchia portugueza, opondo não só as suas armas em estado defensivo dos seus subditos, mas armando-se a corresponder-lhe com uma guerra ofensiva. Que penetrando-se porém dos ternos sentimentos da humanidade, q. o incitão a evitar estragos, e a poupar sangue, lhe propoem queirão antes pacificamente entregar-se segurando-lhes firme condescendência em todos os artigos de hua decente Capitulação.
Julgando o holandês a esta intimação que as forças portuguesas eram superiores às aparentadas pelos navios ancorados, e para o efeito concorrera argutamente Salvador Correia não hasteando o distintivo de almirante a uma das naus, aviso de que outras navegavam ao largo — solicitou oito dias para deliberar. Sumariava o prazo o intuito de se concentrarem em Luanda para a resistência os contingentes batavos do interior, proposta, claro, de que abertamente discordou Salvador Correia. Concedeu, apenas, quarenta e oito horas. Findos os dois dias, enviou de novo a terra emissários. Eram portadores estes de uma bandeirola branca e duma outra vermelha. No caso do inimigo optar pelo rompimento das hostilidades, mal o batel largasse do cais, içaria a vermelha desfraldada. A branca significaria obediência as condições.
O holandês, como é obvio, não se rendeu. De bordo foi avistado o sinal combinado. Imediatamente, Salvador Correia promoveu o desembarque de 650 soldados e 250 marinheiros, detendo-se apenas nas embaricasoes 180 homens e muitas reproduções de figuras humanas, em tudo semelhante a corpos. Diz o cronista : com chapéus nas partes em que melhor podiam ser vistos para mostrar maior poder. Na rapidez e astúcia residia, é evidente, todo o êxito.
A pequena força escalou aceleradamente o morro estratégico fronteiriço ao do Penedo e apossou-se, já num ponto distante, dos terrenos do convento de S. José.
No dia seguinte, 15 de Agosto, investiu-se contra um nucleo muito poderoso das hostes flamengas. Holandeses e catervas de muxiluandos foram num momento repelidos de quase todas as defesas exteriores e retrocederam, refugiando-se os primeiros nos fortes de Nossa Senhora da Guia e de S. Paulo — que dominavam a cidade. Foi tomado a seguir o forte de Santo António, a despeito de heróica oposição, e ali se encontraram armas, brote, chacina e peixe salgado. Na precipitação da fuga encravou o inimigo apenas duas peças das oito existentes. As restantes aproveitaram-nas os portugueses — que as juntaram às quatro trazidas de bordo.
O adversário replicou furiosamente de S. Paulo, bombardeando o burgo, pulverizando e incendiando o que não destruira ou abandonara no decurso da ocupação.
No dia 18, por deficiente incompreensibilidade do plano, que deterrninava conjugação simultânea das colunas atacantes e não avanços isolados, os nossos, depois de actos de indómita bravura, foram rechaçados ao tentarem forçar as portas da fortaleza de S. Paulo. Dizimou-os o nutrido fogo dos canhões assestados. Cento e sessenta e três vidas foram ali irremediavelmente ceifadas e tombaram a seu lado 160 praças feridas.
Ante o espectáculo, Salvador Correia não desanimou ou cedeu. Ordenou, pelo contrário, que se tocasse prontamente a recolher, com o intento de dar segundo assalto. Revelou-se, então, o inesperado. O adversário, julgando que nos valeria gente vinda de bordo, arvorou uma bandeira branca e mandou trombetas e parlamentários a pedir seguro, para virem dois capitães a ajustar as capitulações da entrega da fortaleza e do forte de Nossa Senhora da Guia.
Cortaleza de S. Miguel. Coisa linda !

Respondeu altivamente Salvador Correia, afiançando que se num lapso de quatro horas não fosse assinada a capitulação geral, a luta prosseguiria, protestando não perdoar a vida aos que se obstinassem em continuar a defesa.
O inimigo, pelo visto, desmoralizado, no dia 21, ponderadas as circunstâncias, anuiu, enfim, à capitulação. Sobravam-nos — vejamos a sorte — apenas em condições de combater quinhentos homens.
Salvador Correia, almirante dos mares do sul (desde 1634 habituado a derrotar os holandeoes e a comboiar navios que eles jamais avistavam), mostrou-se na altura indulgente. Perante o antagonista vencido, não foi de modo algum mesquinho. Concordou que ele desfilasse com as suas armas. Abre-se a porta da cidadela — rezam os escritos — e entre holandeses, franceses e alemaens, saem por entre allas da Tropa vencedora, 1100 infantes e outros tantos negros. Apenas divisam o pequeno numero de portugueses victoriosos a q. se entregam vencidos, se confundem, envergonhaos, e mormuram entre si, reprehendendo-se da acelaração com que hão cedido aos incessantes combates do seu pânico terror .
No dia 26, a bordo de uma nau e outra embarcação, o holandês deixava definitivamente Luanda. A capital seria baptizada com o nome de S. Paulo da Assunção e a fortaleza de S. Paulo passou a designar-se por fortaleza de S. Miguel. Ali se disse, finalmente, missa no dia 1.° de Dezembro de 1648.
Sessenta dias depois daquele memorável 26 de Agosto, incluídas as praças de Benguela-Velha, Pinda, Loango, Benguela, S. Tomé, tudo retornara às mãos dos portugueses.

In – “História de Angola”, Norberto Gonzaga, edição do C.I.T.A., 1967



20/12/2011

sábado, 17 de dezembro de 2011



O silêncio no alto de Angola


Quatro horas da madrugada, noite ainda escura, aqueles dois amigos que estavam a dormir numa modestissima pensão de Artur de Paiva(1) acordam para cedo sairem para caçar. Na pequena povoação os justos dormem. Os escassos guardas da noite, embrulhados nos seus cambriquites, continuam encolhidos nas soleiras das portas que lhes foram entregues à guarda, e dormem também.

Noites frias naquela região com mais de 1.000 metros de altitude!
Quem se levantara primeiro foram os donos da pensão para preparar o matabicho(2) para os hóspedes: um belo bacalhau cozido com batatas, um bife de golungo(3) – morto pelo hospedeiro havia dois dias – com batatas fritas, tudo isto, alta madrugada, acompanhado de alguns copos do tinto de capacete(4), e um bom e forte café para terminar. Era preciso “abastecer-se em terra quem ia para o mar”, ali, o mato, onde nunca se sabe o que pode acontecer.

O lindo Golungo

Saiem os caçadores, agasalhados com lãs, blusões espessos, cachecoles, barretes, as óbvias armas, e ainda um sucolento farnel para o almoço e até jantar.
Jeep aberto, um frio que penetra toda aquela vestimenta, correndo para chegar ao despontar do dia aos locais onde se imagina estar a caça.
Uma ténue luz azulada indica que não tarda o sol vai aparecer, e como nos trópicos os dias num instante se enchem de luz, lá desponta o astro num horizonte longínquo ainda de cores frias. Pouco ainda se enxerga; umas árvores aqui e além.
O jeep agora anda devagar, e os caçadores vão-se livrando dos agasalhos com a chegada dos raios do sol mais quente que já se apareceu inteiro e esplêndido!
Respira-se ainda o ar frio da manhã, os olhos dos caçadores vasculham lentamente a entrada das matas ou dos muxitos(5) onde é suposto encontrar alguma peça de caça.
Em pouco tempo já os agasalhos vão todos no banco do carro, os caçadores só de camisa, e por vezes até sem elas, silêncio, mas os animais nesse dia teimam em não aparecer.
Dez horas da manhã, sol alto, bem quente, os animais vão esconder-se. A caça e os caçadores param.
Escolhem todos a melhor sombra, animais e seus perseguidores, estes desembrulham o farnel, bebem algumas cervejas que permaneçaram geladas, dorme-se, mesmo no chão, algo muito ao longe parecido com uma sesta, e a meio da tarde, volta ao jeep e continua a procura da caça. Por fim um outro pequeno antílope é apanhado.
Aos saltos dentro do jeep ninguém sente cansaço, mas quando o sol vai também descansar volta a faina de começar a vestir os agasalhos.
O dia esta a chegar ao fim, depressa vai escurecendo, os céus dançam numa panóplia de cores que só o Criador sabe compor e são os mimos que nos dá ao entardecer. Não há como não se extasiar!
Por toda a África, como pelos planaltos de Angola, as fogueiras começam a queimar!
A lenha a crepitar, elevam-se fagulhas ao alto, cada vez se sobressaindo mais no escuro, erguendo-se a perder de vista, e quando pensamos que já não se vêm, é porque se transformam em estrelas! É o agradecimento daquelas gentes ao espétaculo que, todos os dias, lhes é oferecido.
Senta-se o povo à volta da fogueira, a conversa segue devagar para não perturbar aquela quietude, como uma oração, e logo se escutam histórias que vêm também de tão longe, como aqueles pôr do sol, transmitindo a velha sabedoria, os contos e lendas ouvidos desde sempre e que se confirmam verdades milenares.
Devagar o chefe da senzala, ordena “cuatiça o ngoma”(6) e os tocadores enchem os ares de ritmo e alegria, mas só em plena escuridão porque antes disso o ambiente não está formado, e aproveitam o silêncio para louvarem o Criador pela beleza com que foram acariciados.
O ritmo e animação vão aumentando, e todos dançam. É um louvor à vida, simples mas de trabalho, um agradecimento ao Alto por não consentir que a sua alegria de viver seja perturbada.
E os caçadores, que ao anoitecer se juntam a este povo, compartilham extasiados tamanha vida, tamanha simplicidade e tamanha pureza na forma com são recebidos.
Num instante a caça foi esfolada, limpa e recebe como homenagem as quentes fagulhas que a vão transformar em deliciosa comida. Para todos. As cervejas, ainda geladas também correm soltas.
Todos meditam e pedem a Deus que aqueles momentos se eternizem, porque, no dia seguinte, o regresso “à civilização” é uma tristeza. Aqui reina o chefe, o poder, a falta de verdade.
Sair duma noite assim é como ser rebaixado do céu a um purgatório.
Quem viveu momentos destes não esquece nunca. De vez em quando se o silêncio volta a “falar” e estas memórias afloram, teima também em aflorar um lágrima de saudade.
Gostaria que pudessemos todos viver a noite de Natal naquele ambiente, ouvindo o silêncio entrecortado pelo som dos ngomas, mas onde se pode louvar a Deus.

1. Hoje a vila de Cuvango, a cerca de 280 km a sul do Huambo.
2. A primeira refeição da manhã, que “virou” verbo: eu matabicho, nós matabichamos, etc.
3. Pequeno antílope – Tragelaphus scriptus – que pesa cerca de 35 a 40 kg.
4. Os melhores vinhos de garrafão eram enviados para Angola bem fechados com um “capacete” de gêsso. Bom!
5. Bosque. Pequena mata.
6. Toquem os tambores.

17-dez-2011














Ao meu amigo e "sobrinho" F.A.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011



Heresia?  O  que  é  isso?


Nos dias de hoje herege é coisa que lembra o tempo das fogueiras, torturas e outras barbáries que os homens, sempre, cometeram sobre os mais fracos. Barbaridades essas que, com o tempo, se têm sofisticado, chegando às bombas atômicas ou de hidrogênio, gás de mostarda, minas terrestres, ou “soluções” menos “a la cowboy”, como a provocação do desequilíbrio entre os povos, através das especulações financeiras virtuais, altamente mortais.

Mas o significado da palavra, na sua origem grega, significa “apto a escolher”, ou seja, o homem “livre” que não aceita imposições que considere injustas, mas o tempo veio dar-lhe um significado de quase bandido, um pecador.

O herege de hoje será o anarquista, não o revolucionário depredador, mas aquele que se insurge contra as leis, e todos sabemos que as leis são feitas por quem tem poder, e para proteger, não a sociedade, mas esses mesmos poderosos.

Exemplo mais do que evidente é o desastre por que passa a União Européia e até os EUA, onde o grande capital, por não querer perder o seu domínio, está a derrubar as duas zonas mais prósperas de todo o mundo, levando-as, num final, à ruína!

Na Alta Idade Média, sem se saber ao certo quando, mas talvez por volta do século VI d.C., fugindo de perseguições que lhes moveram os hunos, vindos do norte, e da igreja de Roma que começava a expandir a sua força terrena, esquecendo a do espírito, grande número de primitivos cristãos da Armênia, e de grande parte do médio oriente, fugiu para a Europa, tendo começado por se instalar entre a Hungria, a Boemia e a Bulgária, passando ddepois muitos deles, logo no começo do século XI para o sudoeste da França e Aragão, abrangendo quase todas as terras ao longo do Mediterrâneo, região conhecida na altura por ser a terra das gentes da “língua d’Oc”, hoje o Languedoc, e que se chamou Occitane. Estavam no Ocidente da Europa central.

Trouxeram consigo os inabaláveis princípios do cristianismo primitivo. E como no começo tudo é mais límpido e claro, sem hierarquias, nem direitos canônicos, nem poderes temporais, intitulavam-se “cátaros”, palavra de origem grega que significa “puro”, “sem mancha”.

Como é de calcular, a igreja que se veio a chamar católica, ou de Roma, para eles era uma versão mais mundana que espiritual.

Apesar disso o seu modo de vida tinha alguns aspetos quase mil anos mais avançado do que a maioria dos outros europeus; baseados no antigo direito romano, não havia morgadios, os filhos herdavam todos por igual, fossem do sexo masculino ou feminino.

As mulheres tinham os mesmos direitos dos homens, podendo negociar, trabalhar fora para terceiros, gerir as suas heranças, podiam ser sacerdotes, a quem unicamente competia ensinar os Evangelhos e as Cartas de São Paulo, etc.
Estes cristãos, antes das refeições partiam o pão e o distribuíam pelo convivas, “em memória de Jesus Cristo”.

Roma quis submetê-los à sua hierarquia. Não conseguiu, chamou-os de hereges e, cheia de força, conclamou uma cruzada contra esses cristãos, os cátaros.
A primeira cruzada resultou em desastre; o papa não desiste e convoca uma segunda cruzada, já com o apoio do rei de França (França era só a região da Ille de France), apoiado pelos grandes senhores de Borgonha, Bretanha e restantes partes do centro europeu, incluindo germânicos e saxões da Inglaterra; estes novos cruzados estampavam uma cruz em suas túnicas e tinham como “garantia” a absolvição de todos os pecados, a remissão dos castigos, um lugar a salvo no céu e, como recompensa material, o produto de todos os saques.


(click na imagem para aumentar)

Em resumo, transformou-se aquela imensa multidão num bando de selvagens saqueadores, que mataram todos os que lhes apareceram pela frente, fossem cátaros, judeus ou católicos. Na dúvida, o arcebispo que “comandava espiritualmente” a cruzada, quando indagado pelos soldados, a como reconhecer os católicos dos restantes, mandou que se matassem todos, à espada ou na fogueira, que “lá em cima Deus faria a triagem”!

Dizimaram populações inteiras de algumas cidades, como Albi, Carcassone, tomado à traição, mas não conseguiu, o papa, acabar totalmente com o caterismo. Esta gente, os puros, recusaram-se a aceitar a igreja temporal de Roma. Preferiram morrer.

Lembrou então o papa Gregório IX de usar uma arma poderosíssima, criada em 1184 pelo anterior papa Lucio III, mas também sem efeito na primeira fase dessa desvairada luta. Em 1230 Inocêncio III, face às falhas da primeira inquisição episcopal, emite uma série de bulas papais que a transformou na temível Inquisição papal.

Os sobreviventes cátaros, já vencidos pelas armas, mas não conquistados espiritualmente, enfrentavam agora um inimigo mais frio e implacável, e tão forte que o seu poder durou oito séculos.

E assim foram passados à fogueira ou à forca, os cátaros, homens e mulheres, mais influentes de toda aquela região.

Durou mais de um século esta louca perseguição. O “último cátaro” terá sido morto em 1321 sob as ordens do inquiridor Jacques Fournier, mais tarde papa, em Avignon, como Bento XIII.

É muito triste saber que alguns dos “representates de Cristo” eram, afinal, tão bestas como qualquer assaltante de estrada. Ou pior.

Houve muitos e muitos outros que são exemplos maravilhosos, como Francisco de Assis, Fernão Martins de Bulhão, o querido Santo António, de quem já falámos, ou Dom Frei Bertalomeu dos Mártires, que foi acebispo de Braga, de quem falaremos, o grande Angelo Roncalli, papa João XXI, e ainda muitos padres amigos - portugueses, angolanos, bascos, holandeses, italianos - maravilhosos cristãos.
Há quem comente os islamistas radicais, que se matam com bombas amarradas no corpo, para inflingirem o máximo de perdas aos seus “inimigos” de fé. Não fazem mais do que seguir o que estupidamente já se havia fez.
Ainda não acabou a inquisição. O grande homem que foi o Padre Teilhard de Cardrin, ficou proibido, durante toda a sua vida de publicar qualquer trabalho científico que tivesse feito. Só depois da sua morte, século XX, em 1955, é que os seus estudos foram impressos e começaram a circular, à revelia de Roma, que já não podia castigar o autor.
Nestes dias ainda, quem tiver idéias mais avançadas do que Roma, continua herege!
Onde está a liberdade do homem? A sua escolha, o ser cátaro ou herege?
Até quando, esta mentalidade, quando a palavra dos cristãos e de todo o mundo, não deveria ser outra além de AMOR AO PRÓXIMO?

Sempre, e com destaque nestes tempos, em se comemora o nascimento d’Aquele que não foi outra coisa.

Pena não sermos todos “hereges”.
 06/dez/11






quinta-feira, 8 de dezembro de 2011



Angola - 1625


Na Quiçama, quási que exclusivamente ocupada por jagas, continuava a predominar o célebre Cafuxe, com quem o governador Fernão de Sousa quis evitar os transtornos e inconvenientes de uma guerra, para o que tinha fundadas razões, pelos escravos, fugidos de Cambambe, que êle acolhia negando-os aos reclamantes. Preferiu entender-se com os jagas Zenga e Quinda e autorizá-los a fazerem guerra ao Cafuxe, com a condição de restituirem os escravos dos portugueses que aprisionassem e de não molestarem os sobas nossos vassalos que continuassem fiéis, como o antigo Songa, proximo da Muxima.
As minas de Sal da Ndemba pertenciam ao soba Caculo-Kia-Kimone e havia toda a vantagem em as ocupar com um presídio, o que lhe era recomendado pelos ministros, mas Fernão de Sousa preferiu encarregar o capitão-mór do presídio da Muxima de, por intermédio dos sobas do Songe e da Muxima, chamar o Caculo às nossas boas relações, o que se conseguiu, não deixando êsse facto de provocar ciumes e a inimizade de outros sobas que se socorriam dos jagas e em especial do Cafuxe, para fazerem as guerras aos que eram nossos amigos ou se mostravam inclinados à política de paz.
Por êsse motivo o Caculo-Kia-Kimone foi atacado, tendo sido mortos alguns dos seus principais, e foi então que resolveu vir entregar-se completamente a nossa protecção, pedindo para se vir undar (i) a Luanda, e tomando nós conta da exploração da mina de sal.
Ainda no sul, mas para além do Libolo, no Haco, nós mantinhamos as melhores relações com o soba Ngunza-a-Nbemba (Quizambembe?) onde em 1627 Fernão de Sousa depois de mandar ao capitão-mór de Massangano que o avassalasse e undasse, abriu uma feira da maior importancia, porque ali afluia não só o negócio do Dongo, interdito pelas questões da Ginga, mas ainda o do sul, da região do Bié, que já então era conhecida dos nossos comerciantes.
Ao norte, não falando no Congo, na região entre o Bengo e o Dande e ainda ultrapassando êste rio, o que dava lugar a reclamações do rei do Congo, tinhamos estabelecido a feira de Sambanzombe, que depois mudámos para o Bengo, e mantinhamos as melhores relações com os sobas Quiluange, Cancango, Campangola, Quitexe, Cauanga, etc., e ainda com o Ambuila, todos Dembos, estando ocupadas por portugueses e exploradas pela agricultura as margens dos dois rios, havendo uma povoação com duas igrejas, e um capitão-mór em Matemo.

(i) Undar era a confirmação ou reconhecimento do soba pelo governador geral, e era feita com determinado cerimonial em Luanda.


Carta do Governador Fernão de Sousa
de 25 de Dezembro de 1625

DECLARAÇÃO DOS TRIBUTOS QUE SE PEDEM AOS SOUAS
(ortografia da época; a letra “u” pode ser “b ou v”)

Futa

1°. Futa responde em Portuguez, a prezente que o ynferior dá a seu superior em demõstração que o reconhece por superior a modo de hu cazeyro ao senhorio. A este respeito não se atreue soua nenhu yr a prezença de cappitão de prezidio sê lhe leuar futa, e os cappitaes a tê já tanto por sua que se o soua a não leua, ou se descuyda pede lhe a sua ynfuta, e pera este effeito sê cauza os chamão muytas vezes aos prezidios, e os detê neles huzando de modos injustos, e parece já tributo pondolhe nome de proês, e precalços. O mesmo huzão quando vão fazer alguã deligencia por mandado dos Gouernadores pola terra dentro, e a todo o soua pedê infuta obrigandoos a dala por força e violencia; o mesmo fazê os brancos quando os mandão seus cappitães a deligencias, ou vão a negocio de que os souas recebem grande opressão.

Loanda

2°. Loanda he tributo em reconhecimto de vassalagê, de vassalo pera sõr, que os Souas pagauão a ElRey de Angola. Os Gouernadores, e cappitães mores, e cappitães dos prezidios o forão yntroduzindo em sy a exemplo d'El Rey de Angola, e a este tributo responde os baculamentos que pagão a El Rey nosso sõr pelo que se não pode pedir Loanda aos Souas porque pagão baculamento, e somente a S. Mag.e pertence este tributo.

Vestir

3°. Vestir he hu modo que se introduzio pera pedir peças aos Souas pela maneira seguinte, mandauão os Gouernadores hum Macunze que responde a Embaixador cõ cantidade de panos de seda cõ suas empondas, e cõ feregoulos que he o vestido dos negros, e a cada Soua dezia que hera Macunze do Gouernador, e q hia buscar a Loanda, e como herão sempre pessoas doutas nesta negoceação despião o melhor que podião a cada Soua obrigandoos com praticas e que chamão milongos a darê pera o Gouernador, e o Macunze, lingoa, e companheiros as peças que não podião dar. Outras vezes se offerecião pessoas aos gouernadores a fazer estas missões; por certa cantidade de peças per contracto, e algus herão tão deuotos que se offerecião fazelo à sua custa, o que fazia a viagë por qualquer destes modos se apercebia de cedas, e doutras cousas, hia polas Prouincias, e em cada soua a q chegaua se assentaua em hua cadeira d'espaldas e se reprezentaua Gouernador, e intimidando o soua o obrigaua se hera poderoso a lhe dar polo menos dez peças, e sendo menor a cinco, a fora as que daua pera a companhia e mantimentos, e agazalhado necess.o em que às vezes entraua molhéres, e filhos dos Souas, cõ grande dezacato seu, que elles muito sentião, isto mesmo fazião, e fazë os cappitaes dos prezidios mandando Macunzes polos Souas à imitação dos Gouernadores.

Ocambas

4°. Ocamba he mandar o capitão do Prezidio aos Souas do seu destricto ou qualquer outro br.co ao soua com q corre hua peruleira de vinho, ou pano, ou outra fazenda cõ tenção de lha pagar o soua cõ fingimento de amizade, e boa correspondencia, e não querendo alguas vezes aceitala o soua o obrigão a tomala por boas palauras, e lha deixao em caza, e se o soua se descuyda em a pagar a mandão arrecadar dele em peças de indias por tres, ou quatro preços mais do q valia o q lhe mandarão. Conuê que os capitães dos prezidios, e Portuguezes nao huzë de ocambas que comprê, e vendão a preço certo, e que os souas nao sejão obrigados a pagalas.

Imfuca

5°. Infuca he vender aos souas de fiado per modos, e palauras q lhes parece que ou não pagarão, ou o farão tarde dandolhes as fazendas per rogos, ou por força, e passado certo tempo mandão os capitães, e Portuguezes pedir aos souas que lhe paguê o que derão a infuca, e não pagando prendenlhe molheres, e filhos, e vassalos a que chamão filhos de Morinda q são forros, e amarardos së ordë de justiça os mandão a esta Cidade a vender por peças, e embarcar de mar em fora, polo que se deue euitar este modo de venda, e que somte se faça nas feiras, e pumbos, por Pombeiros.

Outros modos

6°. Costumão os capitães dos Prezidios pôr Tendalas, e manilumbos, escrauos forros, e catiuos pelos quaes exercitão todos os modos de tirar peças chamando os Souas aos Prezidios, ou seja pera guerra, ou pera fazer baluartes, e obras nos Prezidios em têpo de suas sementeyras, ou de nojos, ou de outras necessidades em que nao podë yr, e não yndo os meação por leuãtados, e por remirë sua vexação se concertão por tantas peças, e aos que vão ao Presidio não lhe dão audiencia tënos ao sol no terreyro descontentaose das obras que fizerão, e por peças libertão suas pessoas, e se liurão destas vexações, e a tudo isto chamão proës, e precalços de seus cargos.

Vundar

7°. Vndar he ceremonia de q huzao os Souas quando succedê nas Terras por morte do vltimo sõr da terra, ou quando por cauzas justas conforme a suas leis, e costumes lanção o sõr fora da terra, e ellegê os macotas que são os do Cons.lo outro sõr, o qual costuma ser o sobrinho do morto, filho de sua Jrma porq este të por legitimo sõr, e não o f° que dizë pode ser adulterino, este tanto que he electo, e antes de o ellegerem o fazê saber ao Gouernador pedindolhe que o aja por bem, e que o queira vndar, q he o mesmo que confirmalo na terra, e vndar he estando o soua diante do G.or peito por terra em sinal de Vassalamto a sua Mag.e se lhe lança hua pouca de farinha por cima dele, e elle a toma cõ suas mãos, e se enfarinha polos peitos, e braços, e antão se tê por senhor da terra, o Gouernador o manda yestir em acabando de se vndar conforme a calidade, e poder do soua, e o soua lhe prezenta o que quer, e da a quê lhe lança a farinha, e a quë o veste, capitão da gda, secretario, e Tendala, o que lhe parece, isto se pode leuar se o soua volutariamte o da, e se lhe não faz força porq responde ao dereito da confirmação, chancellaria, e mais dereitos que o Donatario paga pola confirmação, e tambê se poderá tomar o que o soua de sua propia vontade dá porq të por grande desprezo não lhe tomar o que por este modo dá porq cujdão que o tê por jnimigo leuantado, e porque quando lho aceita o Gouernador por outro modo lho satisfaz.

(Biblioteca da Ajuda, cod. 5I-VIII-30 e 31. Governo de Fernão de Sousa).

In “APONTAMENTOS SOBRE A OCUPAÇÃO E INÍCIO DO ESTABELECIMENTO DOS PORTUGUESES NO CONGO, ANGOLA E BENGUELA” por Alfredo de Albuquerque Felner

Nota: bem bramava o governador para Portugal, mas... sem qualquer controle pelo interior do país!
Mas não há como condenar esses homens entregues à selva, a si mesmos, numa selva inóspita, desconhecida e selvagem, daqueles tempos. É ver o que fizeram, em ambientes muito mais “humanos”, os espanhóis perante uma civilazação avançada, os imigrantes americanos face aos índios, os boers na África do Sul, os racistas brancos na Índia e África inglesa, etc.
Sem mais comentários!

06/dez/11

domingo, 4 de dezembro de 2011



Resveratrol + procianidina = tintol


Quem havia de dizer que, vez por outra, palavrões como estes são uma maravilha! Enquanto alguns fármacos tipo “mata-gente”, como os antibióticos, se intitulam com palavreados semelhantes, estes levam-nos a cantar: “era o vinho meu bem, era o vinho, era a coisa que eu mais adorava”!
Perde-se na poeira dos tempos, sempre empoeirados, o conhecimento dos primeiros viti-vinicultores, que terão aparecido dez, vinte mil ou ainda mais anos atrás! Avozinhos bons esses, hein?
A ciência, depois de nos querer convencer que os vinhos hoje sabem a frutas verdes, vermelhas, pretas, canela, abiu, araçá e murumuru, além de outros, vem agora animar-nos a beber mais uns copos, sempre do tinto, informando-nos que um composto encontrado na casca das uvas e no vinho tinto, a que chamou de resveratrol, aumenta a resistência à velhice e ainda evita a obesidade! Que delícia.
Eu conheci, muitos anos atrás, um homem com oitenta e tantos anos, alto, forte e seco (por fora) que de repente caiu de cama. O seu tempo chegava ao fim. Esse homem todos os dias de manhã começava por “matar o bicho” com um copo, um copo, não um cálice, de aguardente bagaceira. Depois, durante o dia, emborcava mais uns cinco litros de vinho. Velho rijo e são. O médico chamado a sua casa, vendo que a vida estava por um fio, recomendou: “Enquanto estiver assim não pode beber mais de um litro de vinho por dia.” Resposta do velhote: “Pra beber tã pouco prefiro nã beber nada!” No dia seguinte morreu! Não se pode dizer que tenha morrido cheio de saúde, mas chegou aos oitenta e muitos, rijo e bêbado que nem um tonel. Pena não se ter feito uma análise do seu DNA (naquele tempo não havia disso) porque certamente deveria estar cheio do tal resveratrol, do tinto e do bagaço!
Era dali de perto de Évora. Talvez junto da Ribeira de Peramanca, onde se produzia um vinho tão maravilhoso que animou o Geraldo Geraldes a conquistar Évora aos mouros com meia dúzia de amigos! Há quase novecentos anos!
O problema por enquanto está só na procianidina. Dizem os cientistas que este composto - a procianidina é um composto! - encontrado nas sementes das uvas, faz muito bem ao sistema cardiovascular, sendo um vaso dilatador, coisa que os romanos que há 2.000 anos bebiam vinho do Alentejo já sabiam, e se encontrará sobretudo nas uvas do sudoeste de França! Isto porque o estudo foi feito numa escola de medicina em Londres. Porque não fazem esses estudos em Évora e dão a conhecer ao mundo uma região de briol que não pede meças ao sudoeste francês?
Entretanto um tinto das castas Trincadeira e Tinta Caiada, sobretudo dali, das terras de Peramanca, aaahhh!, dão vida a qualquer gladiador que se preze nas suas gladiações pela luta diária em que a globalização nos meteu.
Haja saúde! Tchin! Tchin!

4-dez-06